16/12/2008


ENCANTAMENTO


O peso da noite era amargo. A sua escuridão negra acinzentada a pressionava naquela amplitude do horizonte. O seu olhar a encarava e as nuvens tenebrosas perscrutavam. As brumas embrulhavam a as estrelas, aprisionaram a lua e o tempo era áspero, ignóbil, indescritível. Ao seu redor algumas poucas e restritas árvores a circundavam naquele deserto de almas. Os seus pés acorrentados a terra pelas raízes subterrâneas se abatiam tão exasperados quanto o seu coração que ávido de esperança decidiu acordar. Acordar daquele pesadelo tumultuado de vozes, das sombras do âmago do ser enterrado, romper aquela mísera existência remexendo a terra e fitando diretamente aquela luz azulada. Era um caminho diante das trevas que a abatia e os seus braços libertos clamaram por isto. Diante da imensa fome de vida, ela arrancou o manto fúnebre daquela noite, amassou-o detalhadamente e queimou-o com o fogo das palavras na fogueira da linguagem.

A claridade arrebatara o seu corpo e ela com o ofuscar da luz se alevanta, tenta abrir os olhos para perceber o que a cercara. Um sol irradiante sorria o sorriso pueril, transbordando a pureza de uma estrela, a tranqüilidade do orvalho e a serenidade da brisa matinal. A sua frente uma árvore enorme, com uma copa vasta e uma sombra acalentadora; a grama que crescia a sua volta, transmitia as beldades esverdeadas confrontando com o céu azul e límpido. Diante dos seus olhos um vale completara a paisagem; o reflexo solar abrandara as suas tonalidades e as suas vozes ressurgiam dos animais em um só coro o concerto primaveril. E em uma delas, uma voz se sobressai e penetra nos ouvidos vaginais daquela que realmente almejava ouvir. Os seus olhos silenciaram, os seus ouvidos começaram observar atentamente o que se passara. No entanto as suas pernas arteiras e faceiras se colocaram em disparada. Com seu vestido branco embalando juntamente com o capim elevado os caminhos iam se abrindo e adentrando o silêncio sonoro da floresta tumultuada com o grito de uma cascata que de longe se anunciava. As árvores iam ficando para trás, os pássaros anunciavam a sua chegada, os papagaios em alvoroço proclamavam em uma só língua todos os falares florestais. Só se ouvia o levantar das pernas que aos poucos se cessaram diante da grandiosidade divina.

Uma cascata enorme soltava seus fios capilares no leito do rio, um lençol de plantas ornava o ambiente, os insetos alimentavam de vida, compondo assim mais um ciclo de existência. Alguns pássaros pulavam de galho em galho encantados com aquela que visitava o seu espaço e ela, ela parou, espalhou se toda e sentiu a terra; os seus pés cavaram com os dedos a terra úmida, próxima as águas, os seus braços se abriram diante da magnitude natural e a vida renascera.

Com seu corpo entregue aos encantos da floresta, a menina mal percebia que passos aproximavam. Na sua inocência não a permitira perceber o outro que por muitos instantes a observava. Ele veio com a tranqüilidade similar dos deuses e foi se aproximando. Na verdade não foi ouvido, mas sentido. Nem os anjos ousariam justificar tal fenômeno, mas ela o sentira: em cada poro de seu corpo arrepiado, dos seus pés descalços até suas mãos límpidas, foi um alvoroço. O seu coração ressurgia.

Ele sentou ao seu lado, tocou as suas mãos camufladas a terra, contornou cada dedo, cada espaço indefinido. Os seus olhos não precisavam se abrir, via sem se olhar e suas mãos dialogavam o encanto das palavras silenciadas. Ele tocou seus braços, acariciou sua face morna de desejos purpúreos, contornou seus lábios frescos e úmidos e cobriu seus cabelos entrelaçando-os nos seus dedos. Eles se olhavam, o corpo dele arqueou até sua face menina, e respiraram o hálito menta que a tanto desejavam. Naquele momento não se ouvia um sussurro, apenas os corpos falavam a mesma língua. Enfim, abraçaram, sentiram o calor que os dominaram e permaneceram ali pelo tempo suficiente de acender a chama do olhar. Os corpos se levantaram, apoiaram em uma árvore propícia a situação e eles se olharam. A intensidade do olhar guiou as suas mãos desejadas do toque. E os seus dedos desceram pelo seu colo, puxou a alcinha do vestido e viu o seu ombro nu contornado pelo pincel das suas mãos. Mãos ávidas ao toque deslizaram um pouco mais e sentiram algo tão sublime, que apontava os caminhos. Mas ele detinha o segredo deste mistério, sabia o que fazia e ela apenas com olhar sussurrava de delírio: um toque sem toque, uma carícia indescritível, seguida dos lábios quentes de desejos do seu amado.

Ai minha menina! Quanto o tempo nos maltratou, embora tenha também preparado para aquele momento único. As suas pernas esfregavam uma na outra e o beijo a deixou mais eufórica, um beijo que dizia tantas metáforas, poetizava quantos encantos. Ela não estava mais suportando e resolveu dizer-lhe a senha... Ele não tinha mais os seus controles... contornou seu corpo, desceu as suas mãos pelo vestido branco e foi levantando-o, com um carinho indescritível. Percebera então o que nunca imaginara: aquela peça fininha que cobria o proibido, desejado. Ao observar, permaneceu envaidecido com tamanha preciosidade, embora houvesse ainda o que provocaria todos os pecados. Mas ela sabia o que ele queria, desceu com suas mãos a fina e pequenina peça, e ele? Ele aproximou lentamente e a beijou, e foi bem devagarzinho beijando cada espaço. Mas ela não tinha nada o que dizer, não sabia mais onde pegar e o pediu com a voz trêmula e ávida de desejo. “Deita-me!”.

Ele a obedeceu e percebeu o seu querer intenso, mas precisava comprovar. Com seus dedos desejosos, tocou-a. Ela estava imersa em seu próprio ser, molhada com a profundidade das águas do rio que ao lado assistira aquela cena. Era o sinal que ele precisava, o esperado por todos os seus encantos. Ela só fez o que ele queria e sussurrou baixinho em seu ouvido tocando a sua face, esfregando os pés uns aos outros e ela sentiu lentamente preencher-se com um domínio dos anjos. O beijo agora não era só beijo, era também abraço, amasso, mordida, os seus ouvidos ouviam palavras indizíveis, a sua respiração alongara os batimentos. E ela? Ela tomou o domínio da situação, empurrou-o para o chão e invertera as posições. Ai sim seria fada, estrela, mulher, menina e ele a controlava. No vai e vem daquele embalo eles só sabiam de que eram apenas um. Um no outro com todo os prazeres da carne, desejos da alma e pecados da existência. Ela foi, foi e sua voz não agüentou o silêncio, seu corpo pedia a sua fome e a intensidade do momento adjetivou com os seus gemidos misturados ao dele e de mãos dadas, olhos nos olhos, batimentos acelerados, eles descobriram que o tempo é um presente, um acalento, uma calmaria, uma maresia.

Os corpos se jogaram e ela percebeu que o ônibus chegara em uma rodoviária e que tudo que restou foram apenas palavras eufóricas para serem repassadas.

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