17/12/2008


Apenas palavras



O barulho do carro se afasta e Norma percebe que chegou o momento. O momento de encontrá-lo; o instante de se revelar por inteira, de entregar a devaneios e promover o seu contato diário de satisfação. Norma está exausta, mas esta satisfação não pudera negar que era única. Afastava do seu tumulto no trabalho, das suas amargas insatisfações e se entregava à palavra, ao encanto único e indecifrável das palavras. Elas soavam com uma melodia encantadora e este era o momento de Norma se metamorfosear.
Ele tinha este poder de abarcá-la por inteiro, de tocá-la, de promover um ouriço de contorções em seu cerne, que Norma não exitava a entregar por inteiro. Ele sabia do seu poder e tinha nas mangas as cartas certas para serem lançadas justamente no momento em que Norma mais precisava. Ela se sentia vazia, vazia do seu eu, vazia da sua capacidade de perceber que ele a dominava. Assim, ele conseguia programar situações que nem mesmo Norma poderia imaginar. A sua presença era a de um criminoso que arqueava a seus pés e simplesmente soprava nos ouvidos virginais desta que estava pura e prestes a desejá-lo.
Norma pensava “como estas palavras me encantavam, como a beldade do seu entrelaçar promove um prazer tão intenso e conseqüentemente, uma fruição que alvoroça o meu ser”.Mas isso estava sussurrando em seus ouvidos, acariciando cada minúsculo trajeto do seu corpo. Os seus lábios desejavam proferir as mesmas palavras, cobiçava compreender de que espaço profundo e enigmático estas palavras vieram. Mas Norma não possuía respostas e a cada tarde quente de um sol que dominava aquele azul as palavras dominavam o céu interior da essência de Norma.
As palavras foram imergindo e promovendo arrepios que manifestavam o antes adormecido. As palavras tentaculares dispunham da deliberação pertinente e assim tocaram-na e Norma não resistira, não conseguira suportar os seus anseios e perceber que naquele momento ela queria ser mulher. E envolta nos braços das palavras esvaecera de tantos quantos foram os seus desejos. O seu corpo queria ser corpo, a sua feminilidade se manifestava em freqüências graduais e as palavras... Estas se contraiam e embrenhando nas cavidades imaculadas despiam-na e Norma sentiu, sentiu o seu eu ser possuído, de uma forma morosa e divina. E diante a esta transitividade lingüística não se percebe mais o que encontrara em sua volta. As paredes do quarto, antes pálidas, insossas se transfiguraram. O silêncio foi quebrado com o cantar das mais belas melodias por um pássaro que estava no alto do coqueiro e o vento trouxera o encantamento que Norma presenciara nos embalos da linguagem.
Este momento foi impar, entretanto não havia mais espaço para a sua proliferação. A imanente agitação diária não possibilitava o encontro. O tempo destruía e construía novos aglomerados em sua vida; a distância que a afastava indignamente de arrebatar e lutar com presteza. Norma se via atada, não possuía mais as palavras, o seu encanto diário e assim percebeu:
“Nossa! Nunca imaginei como aquela rotina diária iria me fazer falta. Hoje a tarde faltava um pedaço, um galho, uma pétala, uma asa, como faltava e impossibilitada estava de prossegui, de completar e continuar a labuta. Privada estava de ser árvore, pois a minha base estava insustentável; impossibilitada estava de exalar a fragrância, pois como rosa o cravo que ao lado do jardim ficava não manifestou e as pétalas começaram a se desprender abafando o meu grito de liberdade. As minhas asas começaram a cair e o meu vôo antes forte, profundo, neste momento era apenas um vôo rasante arrancando as beldades da terra e imergindo em um canto solitário, sombrio e tumultuado do cerne da alma.”Os olhos se abrem e Norma mais do que nunca vai a busca dele. Chegara o momento de decidi a sua importância e contribuição na sua vida. Precisava ser o que pretendera ser. Precisava abrir as portas que antes se fecharam. Precisava retirar as poeiras do seu olhar e enxergar um amanhã. Pronto! Está definido. Norma abri a gaveta da escrivaninha do seu quarto, retira alguns papéis e percebe que ele continua lá intacto e repleto, em silêncio e desejando imediatamente falar, gritar e envolver Normas em suas páginas antes caladas.

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